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Sementes lúdicas para uma vida simbólica

O processo terapêutico e a experiência espiritual

Mauro Bühler

Neste pequeno livro, encontram-se reunidas notas biográficas, dobras de consciência na forma de reflexões e reverências, assim como observações sobre a estrutura psíquica do homem. O texto é assumidamente simples e direto, refletindo a relação íntima de seu conteúdo e a vinculação afetiva de transmissão oral que fez parte do meu contexto de aprendizado e do cotidiano de minha prática de ensino. Cada anotação traz questões que foram importantes em minha vida. Estas questões, por vezes, se repetem compondo novos olhares sobre determinados condicionamentos, pois me empenhei em revisitá-los na perspectiva de perceber suas repercussões e gerar reflexões.

Desde pequeno desenvolvi uma atenção à realidade afetiva que me chamava, à maneira como os encontros me afetavam. Eu me interessei pelo papel que a espiritualidade cumpre na rede de significados e sentidos do indivíduo e, também, na consolidação de sua noção de casa.

Por meio de uma série de experiências, fui me dando conta de como a capacidade de perguntar pela realidade dos encontros nos vincula subjetivamente, configurando-se em um exercício hermenêutico, próprio da constituição de nossa noção de habitação individual e relacional. Desenvolver o interesse pela presença torna íntimo o Ego de sua alma e desperta a vitalidade para investimentos afetivos de grande envergadura e propósito.

Percebi que podemos viver desatentos, esquecidos, com pouco investimento afetivo na presença, na medida em que adotamos modelos pragmáticos que supostamente nos asseguram, porém ao preço de comprometer nosso processo de diferenciação e amadurecimento emocional.

Nascemos encarregados de um exercício, que chamo de exercício humano. Ele é a repercussão natural da organização que dá forma ao nosso corpo e estimula nosso psiquismo. Nós nos diferenciamos por meio de nossos encontros. Eles são a própria via de nossa criação.

Tive a oportunidade de conhecer muitas práticas espirituais e me desenvolver no xamanismo, onde fui reapresentado à perspectiva de inocência da relação de intimidade com a natureza e reverência à condição humana. Meus professores me instigaram a me engajar no processo diário de dar nascimento à consciência, assimilando amorosamente as minhas dificuldades como reais desafios.

Neste processo, revisitei os cenários lúdicos de minha infância e os interditos para o desenvolvimento de minha própria disponibilidade e capacidade de relação. Estes mundos lúdicos se estabelecem à medida que nossas qualidades emergem e se apresentam como imagens para a consciência — são partes fundamentais do processo natural de experimentação das próprias possibilidades, diálogo com o mundo e conhecimento de si. Na dimensão lúdica, a criança se experimenta e se familiariza com sua realidade afetiva e estrutura interna, organizando-a frequentemente por meio de narrativas no intuito de portá-la, porém ainda sem o rigor de um compromisso objetivo com as demandas do mundo. Esta realidade participa do funcionamento interno da psique, se exacerba em momentos em que a preservação de qualidades vitais se faz necessária, servindo assim de estrutura de sobrevivência afetiva; e também estabelece as bases para o grandioso processo simbólico com o qual deve se engajar a consciência amadurecida.

Os textos que seguem são uma pequena parte de um grande número de insistentes observações que venho fazendo ao longo de alguns anos sobre encontros e eventos que relacionam a prática espiritual com o processo de diferenciação e integração psíquica. Esta questão tem sido o grande foco de meu interesse e pesquisa. Estes eventos, dentre muitos outros, foram importantes para o meu processo de despertar de consciência e serviram de base de experiência para a criação do Método Aletheia.

Minha pretensão ao reunir estes textos neste pequeno livro é instigar o leitor a reconhecer, para além da aparente banalidade de uma subjetividade e seu cotidiano de pequenas histórias, o possível esquecimento de seu próprio exercício de consciência e da riqueza que se encontra ao alcance de seu corpo, assim como alertar sobre as repercussões deste esquecimento e a danosa passividade que nos acomete em uma cultura de consciência excludente e alienante.

Sinto que precisamos despertar um genuíno interesse pela vida que não seja apenas norteado pelo desejo. Esta vida que experimentamos em nosso cotidiano, em que constantemente somos atravessados pelos outros. Isso é uma grande oportunidade, uma bênção!

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